Um método de Daniel Augusto da Silva

Daniel Augusto da Silva foi um matemático português cujo trabalho foi amplamente ignorado devido ao isolamento do qual padecia a comunidade científica portuguesa dos século XIX. Um exemplo, do qual se queixou, prende-se com uma série de proposições formuladas por Darboux em mecânica racional, as quais teriam sido demonstradas pelo matemático português vinte e cinco anos antes.

Este autor trabalhou em Teoria dos Números, nomeadamente sobre a resolução de congruências binomais, tema sobre o qual se debruçaram matemáticos como Euler, Lagrange, Legendre e Gauss, apresentando os seus resultados com base num princípio deveras simples, o qual será aqui brevemente discutido. A obra onde se encontra a sua exposição intitula-se Propriedades gerais e resolução directa das congruências binomiais que se encontra publicada no Tomo I da primeira classe das Memórias da Academia Real de Ciências de Lisboa para o ano 1854.

A interiorização do seu método requer a presença de um exemplo que permita ilustrar os conceitos apresentados. Começamos com um conjunto S, por exemplo, o conjunto \mathbb{N} dos números naturais. Definimos, de seguida, o subconjunto S_a que representa o subconjunto dos elementos de S que possuem a propriedade a. Por exemplo, se fizermos S=\left\lbrace 1,2,3,4,5\right\rbrace e a como sendo a propriedade “não ser divisível por 2”, temos S_2=\left\lbrace 1,3,5\right\rbrace. Representamos por S_{a,b} os elementos que possuem simultaneamente as propriedades a e b e por \left(S_a\right)_b o subconjunto dos elementos de S_a que possuem a propriedade b. Temos obviamente a identidade S_{a,b}=\left(S_a\right)_b. Do mesmo modo, definimos _{}^{a}\textrm{S} como sendo o subconjunto dos elementos de S que não possuem a propriedade a e _{}^{a,b}\textrm{S} como sendo o subconjunto de elementos de S que simultaneamente não possuem as propriedades a e b. Aqui também vale a identidade _{}^{b}{\left(_{}^{a}\textrm{S}\right)}=_{}^{a,b}\textrm{S}.

Existe uma interessante relação entre os dois tipos de subconjuntos. De facto, temos

_{}^{a}\textrm{S}=S-S_a

onde S-S_a representa o conjunto dos elementos de S que não pertencem a S_a. Escrevemos a identidade do seguinte modo:

_{}^{a}\textrm{S}=S\left(1-{}_a\right)

Esta operação, da forma como é aqui apresentada, adquire um aspecto puramente formal. Por exemplo, se S=\left\lbrace 1,2,3,4,5\right\rbrace e a for a propriedade “é disvisível por 2” então

_{}^{a}\textrm{S}=\left\lbrace 1,2,3,4,5\right\rbrace\left(1-{}_a\right)=\left\lbrace 1,2,3,4,5\right\rbrace-\left\lbrace 2,4\right\rbrace=\left\lbrace 1,3,5\right\rbrace

Com base nesta notação temos

_{}^{a,b}\textrm{S}=_{}^{b}{\left(_{}^{a}\textrm{S}\right)}=_{}^{b}{\left\lbrack S\left(1-{}_a\right)\right\rbrack}=S(1-S_a)(1-S_b)

e, de um modo geral,

_{}^{a_1,a_2,\cdots,a_n}\textrm{S}=S(1-{}_{a_1})(1-{}_{a_2})\cdots(1-{}_{a_n})

É importante notar que, se \mu for uma função aditiva dos subconjuntos disjuntos de S, isto é, se \mu for tal que, sendo A e B dois subconjuntos de tal modo que A\cap B=\varnothing então \mu\left(A\cup B\right)=\mu_1(A)+\mu_2(B), o mesmo raciocínio conduz-nos ao resultado

\mu\left( _{}^{a_1,a_2,\cdots,a_n}\textrm{S}\right)=\mu(S)(1-{}_{a_1})(1-{}_{a_2})\cdots(1-{}_{a_n})

onde usamos o formalismo

\mu(S)\left(1-{}_2\right)=\mu(S)-\mu\left(S_a\right)

Como exemplo, consideramos a função \psi que nos fornece a contagem dos elementos de um conjunto. Seja agora S o conjunto dos números entre 1 e n, onde n admite a factorização em números primos A^\alpha B^\beta C^\gamma\cdots. O conjunto de todos os números menores que n que são primos com n pode ser definido como sendo o conjunto de todos os números menores que n que não são divisíveis por A, nem por B, nem por C, etc. Como A, B, C, … são primos entre si, temos

\psi\left(S_A\right)=\frac{n}{A},
\psi\left(S_{A,B}\right)=\frac{n}{AB},
\psi\left(S_B\right)=\frac{n}{B}
\cdots

Não é preciso muito esforço de raciocínio para chegarmos à expressão

\psi(n)=n\left(1-\frac{1}{A}\right)\left(1-\frac{1}{B}\right)\left(1-\frac{1}{C}\right)\cdots

Eis a famosa função totiente de Euler deduzida de uma forma assaz simples.

Este método generaliza-se ao cálculo da soma S=\sum_k k onde k percorre todos os valores menores que n=A_1^{\alpha_1}\cdots A_r^{\alpha_r}  e primos com ele. A ideia é inteiramente semelhante, isto é, analisando C_h, o subconjunto de C=\left\lbrace 1,2,\cdots, n \right\rbrace dos números que são divisíveis por h. Consideramos agora a soma

S=\sum_{k=1}^{n}k

isto é, a soma dos elementos do conjunto C. Sejam

S_{A_r}=\sum_{k\in S_{A_r}}k

as somas de todos os números que não são divisíveis por A_r. A expressão dada pelo autor supracitado continua a ser válida neste contexto e temos, para a soma destes números,

{}^{A_1,\cdots,A_r}\textrm{S}=S\left(1-{}_{A_1}\right)\cdots\left(1-{}_{A_r}\right)

Lembramos que a fórmula para a soma da série aritmética vale

\sum_{k=1}^{n} k=\frac{n^2+n}{2}

Como todos os A_r são primos entre si, segue-se que, por exemplo,

S_{A_1,A_2}=A_1A_2\frac{\left(\frac{N}{A_1A_2}\right)^2+\frac{N}{A_1A_2}}{2}=\frac{N}{2}\frac{N}{A_1A_2}

As fórmulas são muito semelhantes para as restantes combinações. Se utilizarmos a nossa fórmula para a negação das propriedades, vemos que a soma de todos os números do conjunto C que não são divisíveis por nenhum dos A_r é dada por

\frac{N}{2}N\left(1-\frac{1}{A_1}\right)\cdots\left(1-\frac{1}{A_r}\right)=\frac{N}{2}\psi(n)

Encontrámos, deste modo, uma relação entre a função totiente e a soma de todos os números primos menores que n e primos com ele. Convém enfatizar o facto de que a teoria de conjuntos foi introduzida por Cantor a partir de 1872 e como este conceito, de um modo ligeiro, foi utilizado por Augusto da Silva.

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