Sabe-se da teoria das séries trigonométricas e não é muito difícil de demonstrar por intermédio do cálculo que valem as relações de ortogonalidade para as funções trigonométricas
Por seu turno, no artigo Aproximação simultânea dos senos dos ângulos que resultam da divisão do ângulo recto em partes iguais, foi observado que existem polinómios de grau , que aqui serão designados por , tal que
Torna-se evidente que, das relações de ortogonalidade para as funções trigonométricas, se seguem relações de ortogonalidade para os polinómios . A forma para os polinómios pode ser obtida por intermédio do método apresentado no artigo supracitado. Porém, será aqui seguida uma abordagem em linha com o que foi feito no artigo Introdução aos polinómios ortogonais, recorrendo, em particular, à família de equações diferenciais que estes obedecem.
As funções trigonométricas satisfazem a equação diferencial linear de segunda ordem com coeficientes constantes da forma
A sua solução geral é dada por
A solução particular é a que satisfaz as condições iniciais . Por seu turno a solução particular é a que satisfaz . Considera-se a substituição . Ora, como
então
ou, atendendo a que , se tem
A substituição na equação diferencial proporciona
Se se derivar a equação anterior vezes obtém-se
Esta família de equações proporciona uma família de polinómios ortogonais que coincide com os pretendidos quando se considera . Aqui, constitui uma forma alternativa de representar a derivada de ordem de . Se a solução geral da família de equações diferenciais for denotada por então, sendo a sua derivada de ordem solução da equação correspondente da família, então
onde é uma constante em mas que dependerá dos parâmetros. Sabe-se, pelo que foi atrás observado, que cada equação da família possui uma solução polinomial se e forem números inteiros não negativos. Com efeito, suponha-se que a solução geral é dada por
A sua substituição na equação diferencial conduz à identidade
que se verifica para para todos os valores de se se verificar a relação de recorrência
A aplicação da fórmula de recorrência permite concluir que a solução geral da equação diferencial é dada pelas séries
onde se define
É claro que uma das séries que proporcionam soluções particulares se reduz a um polinómio se e forem inteiros não negativos. Com efeito, existe solução polinomial particular desde que ou . Os métodos apresentados no artigo Introdução aos polinómios ortogonais servem o propósitos gerais para este caso. Ora, a equação diferencial
admite a representação
e da qual se seguem as duas soluções triviais
e
Por outro lado, da equação diferencial segue-se a identidade
Se se derivar a equação obtém-se
que, considerando a mesma equação, agora com no lugar de permite escrever
A sucessiva derivação conduz à equação
Faz-se e na equação anterior, vindo
que, como
se conclui que a solução geral é dada por
Com e obtém-se a solução
Mostra-se que se trata efectivamente da solução polinomial. Para o efeito, mostrar-se-á, em primeiro lugar, que
onde e são constantes. Não é difícil provar, derivando a função, que a expressão anterior vale para se se fizer . Supondo que vale para , a derivação da expressão resulta num sistema idêntico com desde que sejam satisfeitas as relações
É possível determinar uma forma fechada para as constantes quando . Com efeito, mostra-se que as derivadas admitem a expansão
e
Assim, caso seja um número par então
onde
No caso em que é ímpar, faz-se
de modo que
Note-se que, fazendo , se pode verificar directamente que o termo de maior grau de é igual a
Segue-se daqui que o termo de maior grau de
é igual a
A comparação dos termos de maior grau na identidade
permite concluir que
e, portanto,
A representação obtida para os polinómios vale apenas para o caso em que e . É possível obter uma representação alternativa. Para isso, é necessário determinar a segunda solução independente de uma equação diferencial linear de segunda ordem, conhecida uma solução. Considere-se a equação diferencial linear de segunda ordem dada por
da qual se supõe conhecida a solução . Faz-se , vindo
Sendo solução da equação diferencial, a equação anterior reduz-se a
Trata-se de uma equação diferencial linear de primeira ordem em cuja solução facilmente se determina como
A solução geral da equação diferencial original escrever-se-á como
De acordo com o que foi atrás exposto,
em que não depende de . A função assim determinada satisfaz a equação diferencial, considerando ,
A solução geral é dada por
e a polinomial será da forma
Com efeito, do método de integração por partes, resulta
A iteração da fórmula conduz à expressão
que é polinomial de grau . Como
a comparação das soluções polinomiais permite concluir que
Com , a expressão anterior reduz-se a
para algum constante. Se se derivar a expressão vem
A aplicação da regra da derivada acima obtida e comparação do termo em permite obter , vindo, finalmente
A substituição na equação anterior permite escrever a representação
em que pode ser obtido, comaparando os termos de maior grau em ambos os membros da equação. Assim,
No que se segue serão investigadas as relações de ortogonalidade. De modo a facilitar a exposição, define-se
Estes polinómios satisfazem a equação diferencial
Por seu turno, satisfaz a equação da família
Multiplicando a primeira equação por , a segunda por , subtraindo uma da outra e atendendo ao facto de que o método de integração por partes permite escrever
obtém-se a relação
e, portanto, se ,
Para determinar o valor da integral no caso em que , multiplica-se a equação
por e integra-se por partes para se obter
Lembre-se que, de acordo com a definição de , se tem automaticamente . A interação da expressão anterior conduz ao resultado
Se se fizer nesta última expressão vem
uma vez que é constante e obtém-se, derivando o coeficiente de maior grau de . Então
A iteração do método de integração por partes permite calcular
A substituição na fórmula anterior permite determinar a integral em que, quando substituído na equação precedente conduz ao resultado pretendido. As relações de ortogonalidade são, portanto, dadas por
ou, em termos dos ,
Determinam-se agora as relações de recorrência para os polinómios . Não é difícil determinar que
Da definição de segue-se, calculando uma das derivadas,
Calculando mais uma derivada interna e atendendo ao facto de que , obtém-se
Se, ao invés de calcular uma derivada interna adicional, se aplicar a regra do produto para a derivada de ordem , fica-se com
A eliminação do termo de ambas as equações permite escrever a relação de recorrência
Desta relação de recorrência obtêm-se alguns resultados de interesse. Se se fizer , permite obter a recorrência para o valor de , nomeadamente,
Segue daqui que, para ímpar, e, para par,
Do mesmo modo,
Da relação de recorrência também segue o coeficiente do termo de maior grau de , já calculado anteriormente, isto é,
Os polinómios mónicos definidos por
com satisfazem as relações de recorrência
No caso particular de , define-se
se e se . A relação de recorrência para este caso assume a forma
Desta recorrência seguem-se facilmente dois resultados. Relativamente ao primeiro, observa-se que
Esta identidade permite escrever sucessivamente
O método da indução permite mostrar a identidade
Aqui, representata o maior inteiro menor ou igual a . Defina-se o polinómio
de modo que, substituindo por em recupera-se a expansão de . Observe-se que os coeficientes binomiais dos polinómios satisfazem determinadas recursões. Por exemplo, para o caso par, em que , tem-se
O caso ímpar é muito semelhante. Por um processo inverso ao da determinação de soluções de equações diferenciais como soma em série de potências, verifica-se que os polinómios satisfazem as equações diferenciais
Aplica-se a transformação e deriva-se em ordem a para obter
Os procedimentos atrás apresentados para determinar as soluções polinomiais das equações que conduzem aos polinómios ortogonais permitem obter, notando que estes devem ser mónicos, os polinómios na forma
de modo que, substituindo por em , se determina a expansão de nesses polinómios.
O outro resultado importante que pode ser obtido das relações de recorrência
é a forma para a função geradora. Se esta for escrita como
então não é um exercício muito difícil mostrar que, considerando as relações de recorrência, se tem
de onde segue automaticamente a forma para a função geradora para os polinómios mónicos
Ora, não é difícil determinar que e . Se se definirem os polinómios e, para ,
então, considerando a solução da equação diferencial em termos das funções trigonométricas e respectivas condições iniciais, tem-se
Se se substituir por na função geradora e compensando a diferença na definição de , daí resulta
Segue-se que
Se se decompor a função racional do lado esquerdo em fracções parciais obtém-se
em que se fez, para abreviar,
A expansão das séries geométricas, por um lado, e a consideração da função geradora permite concluir
Com efeito, fazendo , obtém-se o conhecido resultado das séries trigonométricas, nomeadamente,
Da observação de que
e como
conduz ao resultado
Sabe-se que é uma solução polinomial da equação diferencial
A transformação
resulta na equação diferencial para na forma
cuja solução é dada por e obtém-se de qualquer uma das representações acima apresentada, fazendo no lugar de . A solução geral da equação diferencial é, portanto, dada por
Em particular, com , que constitui o caso das funções trigonométricas, a solução geral é
Ora, quando é ímpar, tem-se e
Se se definir
então, se for ímpar. Além disso, o termo de maior grau do polinómio é positivo. Conclui-se, portanto, que
Não é difícil determinar a relação de recorrência para a partir da relação de recorrência de como
de onde se obtém a função geradora
e, determinando a expansão em fracções parciais,
Com recurso a esta última expressão e à que foi obtida para pode-se mostrar a identidade com equivalente trigonométrico
Da função geradora para vem
A integração da expressão anterior em ordem a , considerando o valor da função na origem permite escrever
Note-se que resulta de , fazendo as substituições
e a teoria dos polinómios ortogonais poderá ser considerada a partir da aplicação do método da separação das variáveis à solução da equação , considerando aquele sistema de coordenadas. Trata-se do caso particular da dimensão dois. O caso mais geral conduz a uma mais abrangente família de polinómios ortogonais.